Até o presente momento, a única certeza que temos, é que a ciência médica não encontrou qualquer forte evidência de que a cloroquina ou o seu análogo menos tóxico, a hidroxicloroquina possa de fato combater o novo coronavírus e reestabelecer a saúde dos pacientes. No entanto, existem evidências de sobra de que essas medicações possam tirar o coração do ritmo normal a ponto de fazê-lo parar de uma hora para outra. No mínimo, essa possibilidade não parece lá ser muito aceitável, principalmente em ambiente domiciliar, sem médico e sem o aparato de reanimação.
É verdade que a cloroquina e a hidroxicloroquina não são proibidas, assim como qualquer médico possa prescrevê-las. Porém, em relação ao tratamento da Covid-19, o paciente terá que assinar um termo de consentimento esclarecido, pelo dessa medicação nunca ter sido administrada a pacientes com essa doença.
O fato da cloroquina e hidroxicloroquina serem utilizadas há décadas no tratamento da malária, lúpus eretimatoso sistêmico (LES) e artrite reumatóide vem funcionando como um grande aval de segurança. Agora, a pergunta é: a hidroxicloroquina é uma droga segura para o coração de pacientes com Covid-19?
Sabemos que a própria infecção pelo novo coronavírus já coloca o coração sob ameaça em um número expressivo de pacientes, provocando uma inflamação no músculo cardíaco, entre outras disfunções, inclusive arritmias. Não podemos extrapolar o que acontece com o coração de um paciente com malária ou doença reumatológica, para o que possa estar acontecendo a um paciente com Covid-19, não podemos esperar os mesmos efeitos adversos com a mesma intensidade. Nós médicos temos que ter a humildade e assumir que essa é ainda uma doença nova, e estamos entendendo mais a respeito dela a cada dia.
O organismo de um paciente com a Covid-19, reage de maneira repentina e intempestiva. Em alguns casos, com vômitos e diarreias, levando a um quadro de expoliação, de perda de água e eletrólitos, de minerais importantes para um adequado funcionamento da máquina cardiovascular. Além disso, como já mencionado, temos o ataque pelos processos de inflamação e infecção ao coração.
Por definição, qualquer alteração no ritmo das batidas do coração são arritmias. A mais conhecida, a taquicardia, acelera o coração. Enquanto outras, fazem com que o coração bata mais devagar, as chamadas bradicardias. Outras o aceleram, as taquicardias. Nesse enredo, de acelera e desacelera, é onde a cloroquina e a hidroxicloroquina se encaixam. O coração se contrai porque tem um sistema elétrico próprio, digamos que ele descarrega a sua eletricidade ao bater, e daí precisa ser recarregado para o próximo batimento. Essa fase de recuperação é identificada no eletrocardiograma e é denominada de intervalo QT.
Quando o intervalo QT se prolonga é sinal de que as células do músculo cardíaco estão demorando para se recarregar, e acabam se contraindo mesmo sem atingir a recarga elétrica completa. Porém, essa tentativa de contração não dá muito certo, e o coração entra em fibrilação, o músculo fica literalmente tremendo, e o coração não cumpre com a sua função, a de bombear o sangue. Se o paciente nesse quadro clínico estiver hospitalizado, a monitorização cardíaca mostra um ritmo totalmente desorganizado e isso alerta à equipe para que o socorro seja rápido, e o desfibrilador entra em cena, aquele aparelho que vai dar uma descarga elétrica e fazer o coração voltar ao ritmo.
Devemos lembrar que pessoas acima de 65 anos têm maior probabilidade de desenvolver arritmias cardíacas, e essa faixa etária está mais suscetível a infecções mais graves pelo novo coronavírus. Quem já sofreu um infarto também é grupo de risco para arritmias capazes de levar à parada cardíaca, assim como os pacientes diabéticos, pois o diabetes.
Quem acredita no uso da cloroquina e quer mesmo “apostar” nessa hipótese, o ideal seria, utilizá-la em algum protocolo de pesquisa e/ou em ambiente hospitalar. Mas se você deseja e assume os riscos de tomá-la em casa, recomenda-se então fazer um eletrocardiograma antes de iniciar a terapia com cloroquina ou hidroxicloroquina e, depois, repeti-lo em dias alternados ou mais, a fim de detectar qualquer alongamento no intervalo QT ou outra alteração eletrocadiográfica. Sem essa precaução, o risco pode ser maior do que qualquer benefício, que ainda é incerto. Outros exames de avaliação também devem ser solicitados, como provas de avaliação renal e hepática.
Vale a pena conferir: https://sobrac.org/home/orientacoes-da-sobrac-sobre-o-coronavirus/