Recentemente, a cloroquina e a hidroxicloroquina tornaram-se alguns dos assuntos mais comentados do momento. O grande aumento de buscas por essa medicação até então desconhecida por grande parte da população começou depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que o medicamento é eficaz para tratar a Covid-19, doença causada pelo coronavírus. Para incrementar essa crença, várias informações falsas, inclusive gravações de áudio, passaram a ser compartilhadas via WhatsApp.
De acordo com um dos áudios compartilhados, a voz dizia que um estudo de Stanford (renomada universidade americana), teria concluído que o da hidroxicloroquina associada azitromicina teria curado 40 pacientes com Covid-19 e esse suposto protocolo de tratamento estaria sendo adotado pelo HCor e Prevent Senior, em São Paulo.
O áudio é totalmente falso e descabido. De fato, a hidroxicloroquina e a azitromicina têm sido analisadas como potenciais tratamentos para a Covid-19. Mas o estudo em questão não foi feito por Stanford e, até o momento, não há evidência científica suficiente que comprove a eficácia do tratamento dessas duas drogas contra o coronavírus.
Para esclarecer essas polêmicas, vamos responder às seguintes perguntas:
A hidroxicloroquina, a cloroquina e a azitromicina funcionam para o tratamento da Covid-19? Até o momento não podemos dizer que sim e nem que não, pois essas medicações carecem de comprovação científica quanto a eficácia terapêutica e toxicidade quando administrada aos pacientes portadores do coronavírus. A comprovação ou não da eficácia dessas medicações só virá após análise de estudos clínicos que apenas começaram.
O que é a hidroxicloroquina? Trata-se de um derivado menos tóxico da cloroquina. Ambos são medicamentos baratos e amplamente disponíveis, usados há décadas no tratamento de doenças como malária, lúpus e artrite reumatoide. Um estudo realizado em laboratório com células in-vitro sugere que o medicamento conseguiu barrar o coronavírus, o que poderia ajudar a prevenir ou limitar a infecção. No meio científico, sabemos que quase tudo funciona bem in-vitro, e não poderia ser diferente em relação à hidroxicloroquina, pois a mesma já havia também mostrado ser bem sucedida para outros vírus, como HIV, zika e chikungunya e não seria diferente para coronavírus, porém quando testada em humanos, a cloroquina não teve sucesso algum contra esses vírus.
A hidroxicloroquina já foi testada em humanos? Sim. Um dos cientistas mais entusiastas quanto ao uso da cloroquina e da hidroxicloroquina para combater a Covid-19 é o infectologista francês Didier Raoult, diretor do Instituto Hospital Universitário Mèditerranée Infection (IHU), em Marselha. Foi ele quem conduziu um estudo com 26 pacientes que entusiasmou o presidente Donald Trump. O renomado, premiado e polêmico cientista, que vem sendo chamado de charlatão por seus colegas franceses, publicou um primeiro estudo mostrando que, combinada ao antibiótico azitromicina, a hidroxicloroquina curou 75% dos 26 pacientes tratados por sua equipe. A pesquisa do Dr. Raoult levantou esperanças e críticas. As principais críticas, devido ao baixo número de participantes e à metodologia. Uma revisão desse estudo feita por pesquisadores britânicos e irlandeses apontou falhas graves: os pacientes não foram randomizados (divididos em grupos, para fins de comparação e controle), e além disso, dos 26 pacientes, um morreu e cinco abandonaram o estudo antes do término (três foram internados na UTI, um devido a náuseas e outro porque testou negativo para o vírus). Outra crítica feita pelos autores da revisão é que a maior parte dos recuperados era jovem e com melhor prognóstico. Em relação à azitromicina; essa droga é um antibiótico que tem efeito anti-inflamatório, assim o seu uso ajudaria a combater uma resposta inflamatória exacerbada e prejudicial. A lógica faz sentido, mas ainda não há evidências de que essa substância pode ser usada no tratamento da Covid-19, exceto em estudos clínicos.
Diversos estudos clínicos bem desenhados, ou seja, com grupos de controle para testar a eficácia dos medicamentos contra o coronavírus estão em desenvolvimento. Devemos ter paciência e esperar por esses resultados. Em pouco tempo teremos um tratamento para a covid-19, mas é preciso aguardar até lá. Não dá para usar uma medicação sem a certeza de sua eficácia e segurança, pois já aconteceram muitas interpretações equivocadas na história. A lidocaína, por exemplo, foi muito usada no tratamento de infarto e anos depois descobriu-se que ela causou a morte de muita gente, então é preciso realizar testes rigorosos antes de liberar um medicamento.
Tomar essas medicações vai me proteger contra o coronavírus? Não e ainda pode colocar a sua saúde e dos pacientes que de fato usam essa medicação, em risco. A automedicação pode representar um grave risco à sua saúde. A cloroquina e a hidroxicloroquina podem ter graves efeitos colaterais, incluindo sérios problemas cardíacos, renais e hepáticos (no fígado). Além disso, a corrida às farmácias em busca de um tratamento milagroso contra o coronavírus esgotou o medicamento em muitas farmácias e pacientes que precisam toma-lo para tratar doenças sérias como lúpus e artrite reumatoide correm o risco de ficar sem esse tratamento. É um ato quase criminoso tirar toda a cloroquina do comércio e deixar pacientes que realmente precisam sem o remédio.
Qual tratamento é indicado para o coronavírus? No momento, a única opção é o tratamento de suporte. Ou seja, tratar os sintomas. Pacientes com sintomas leve, que não precisam de internação hospitalar, devem ficar em casa isolados, para não correr o risco de transmitir a infecção, tomar muito líquido, repousar e usar paracetamol ou dipirona em caso de febre e dor no corpo. O uso do ibuprofeno foi inicialmente não recomendado, porém a OMS mostrou não existir base científica para essa contra-indicação, o mesmo não vale para a aspirina, devendo ser evitada para tratar os sintomas da Covid-19. Também não é recomendado o uso de antigripais. O mais seguro e recomendado realmente é optar por paracetamol ou dipirona, além das medidas de isolamento, higiene redobrada com as mãos, uso de máscaras aos pacientes e distanciamento social.
Vacina para cachorro previne o coronavírus? Também circulou no WhatsApp uma notícia de que a vacina para cães e gatos protegeria contra o coronavírus. E muitas pessoas acreditam em mais uma fake news. Mas, como outras por aí, essa notícia é mais falsa do que nota de 3 reais. As vacinas V8 e V10 são exclusivas para os pets e agem no combate de várias doenças, como cinomose e coronavírus canino da espécie CCov (gênero alphacoronavirus), vírus que causa gastroenterite (sintomas de diarreia e vômitos), podendo levar a óbito. Os cães contraem a doença por meio de fezes de outros cães contaminados, não sendo transmissível a humanos. Já o novo coronavírus, responsável pela pandemia da Covid-19, é um vírus gênero betacoronavírus, que causa uma infecção respiratória. Portanto, aquelas vacinas indicadas para o tratamento de animais não têm eficácia para o novo coronavírus e não podem ser usadas em humanos.
Várias empresas da indústria farmacêutica e instituições acadêmicas ao redor do mundo estão correndo contra o tempo para desenvolver uma vacina. Há poucos dias, o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA anunciou o início dos primeiros testes em humanos de uma possível vacina. Essa velocidade no desenvolvimento e início dos testes clínicos de um imunizante é sem precedentes, mas mesmo assim não há milagre. Antes de poder chegar ao mundo todo, a vacina precisa passar por um rigoroso processo que analisará não só sua segurança e eficácia como a dosagem indicada etc, e isso ainda levará meses. Portanto, é preciso paciência. No melhor dos cenários, uma vacina para uso humano, deve ficar pronta dentro de 18 meses.
“Tudo o que fizermos antes de uma pandemia, parecerá alarmista.
Tudo o que fizermos depois dela, parecerá insuficiente.
Fique em casa!”